Um dos episódios que mais marcou o meu secundário foi ter uma negativa a Português. A culpa não foi da professora, foi minha. Ela não me avaliou mal, eu, simplesmente, fui péssimo. Lembro-me mal do poema. Só me recordo das palavras querubim e onírico. Talvez fosse um poema do Pessoa, sinceramente, não me recordo. A negativa, no entanto, fez-me bem. Revoltou-me mas fez-me bem. Senti na pele o que é ser um iletrado. Como se ser iletrado fosse um pungente estigma, uma mácula, como se a minha honra dependesse de compreender aquele poema. Hoje já sei ler melhor, quando digo melhor, quero dizer um pouco melhor. Ainda não sei ler. Aprender a ler é um dos objectivos da minha vida, e, talvez, ainda demore anos a aprumar as minhas leituras. É uma tarefa que me dá prazer, mas que exige tempo e dedicação. Certa ocasião presenciei um tipo que pergunta a outro se este já tinha lido O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, o outro sentiu-se indignado com a questão e quase que aquilo desancava em violência. Provavelmente nenhum dos dois teria efectivamente lido o texto de Eça de Queiroz, uns meses antes esteve em exibição o filme que se baseava nesse livro, mas mesmo assim houve indignação. Como se fosse óbvio ter lido o Crime do Padre Amado, e fosse um insulto não ter lido aquele livro. Eu percebo que vivemos na era das aparências, mas este episódio marcou-me. Será que no rodopio constante da nossa contemporaneidade temos tempo para efectivamente aprender a ler? Será que há tempo para reflectirmos sobre o que lemos? A literatura é uma mais-valia (eu sou economista) nos nossos dias? Para aqueles fulanos, sicranos e beltranos que ululam por aí, parece-me que não. A literatura ocupa tempo útil, a literatura não dilata o espírito, comprime-o. É um exercício vão, mas mesmo assim todos nós lemos e relemos de tudo. Todos nós lemos tudo e sabemos tudo. Não conheço ninguém que não leia de tudo, mas a maior parte dessa chusma parece-me semi-analfabeta.È tão difícil encontrar pessoas que falem sobre livros...
11/11/2009
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