12/07/2009

O Velho

Costuma-se dizer que andam por aí os velhos do Restelo. Associa-se rapidamente a velhice a decrepitude, a senilidade e ao atavismo. Não existe nadir mais pungente que a velhice, pese embora, caminhemos para uma sociedade de velhos, hoje, mais do que nunca, glorificamos a juventude, mesmo que a juventude esteja pejada de ignorância, confusão ou intolerância. Conheci um velho que quebra todos os arquétipos que temos da vetustez. Segundo aquilo que ele me disse deveria ter mais de noventa anos, nasceu nos primeiros anos da segunda década do séc. XX, sobreviveu à segunda grande guerra e à guerra do ultramar, esta última onde participou. Conheceu meio mundo, especialmente o mundo lusitano: Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde e Goa. Também visitou outras paragens na Europa e em África. Está desiludido com este mundo onde subsiste o egoísmo e a vacuidade, mesmo assim, sente-se com sorte, porque os filhos e os netos o acolheram aqui na Madeira, mesmo não precisando deles para quase nada, confessou-me que eles são importantes para sua lucidez. Falamos pouco mas pressenti (e invejei) a sua capacidade de comunicar. Aquele velho parecia usufruir da vida mais do que eu, era mais expressivo do que eu, seus olhos faiscavam uma vitalidade contagiante. Quando lhe entreguei o talão do depósito e despedimos-nos, agradeceu-me e desejou-me um resto de dia feliz.

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